Nós Somos a Irlanda
Há umas
semanas Paulo Portas declarava, com ar emproado, “antes
celta do que grego, mas em qualquer caso sempre português”. Uma frase de
belo-efeito usada para colar Portugal à Irlanda – que iria ter um programa
cautelar – e distanciar-nos da Grécia – que já teve um segundo resgate. Como é
sabido, a Irlanda não terá um programa cautelar, deixando Portugal sem
referência.
À
primeira vista, o caminho seguido pela Irlanda cria dificuldades a Portugal, ao
mesmo tempo que sublinha as diferenças na trajetória de ajustamento dos dois
países. Mas talvez o problema essencial não se encontre no que nos distingue. O
que se passou revela, uma vez mais, que é maior a crise
política europeia que une países sob resgate do que as idiossincrasias que os
separam. Podemos hoje dizer com propriedade “nós somos a Irlanda”,
na medida em que Portugal vai estar embrenhado na mesmíssima embrulhada em que
se transformou a política europeia.
É
natural que um país que nunca procurou ter autonomia estratégica na negociação
com a troika e que se limitava a ir à
boleia da solução cautelar negociada pelos irlandeses fique desorientado. Do
mesmo modo que a Irlanda tem vantagens comparativas. Não só porque se recusou a
aplicar doses cavalares de austeridade, cumprindo apenas o que estava previsto
no memorando e não cometendo a barbaridade de ir “além da troika”, mas também porque os desequilíbrios portugueses são mais
sérios. A Irlanda tem um peso das exportações no PIB superior a 100% enquanto
Portugal anda em redor dos 40%.
Mas
não valorizemos demasiado as distinções. Porque agora, como nos últimos anos,
há um problema que está bem para lá das especificidades e é de natureza
política.
A
Europa de hoje não funciona e está a criar as condições para o seu próprio
colapso. A Irlanda optou por não ter um programa cautelar – que lhe concedia um
seguro que era sempre vantajoso, mesmo que se conseguisse financiar
autonomamente nos mercados – porque temeu que as negociações em Bruxelas se
tornassem num factor de perturbação. Desde logo porque os indícios iam todos no
sentido de antecipar uma intromissão abusiva nas opções políticas de Estados
soberanos. Ou seja, a extensão da condicionalidade exigida era inaceitável.
Como
reconheceu com particular realismo o ministro das Finanças irlandês, “tinha
medo de poder acabar em Bruxelas, às três da manhã, lá para Dezembro, com um
caso de sucesso a ser transformado numa crise irlandesa. Vi o processo de
tomada de decisões sobre assuntos que pareciam razoavelmente claros acabar por
ficar encalhado”. No que toca a processos negociais, convenhamos, Portugal tem
uma vantagem. Ao contrário da Irlanda, não temos nenhuma garantia de que o
Governo português se empenhará na defesa dos nossos interesses soberanos.
Quando chegar a hora de negociar a condicionalidade do segundo resgate ou do
programa cautelar, o mais certo é que, quando em Bruxelas se exigir que se
“mate”, o Governo português aproveite para dizer que bom mesmo era que se
“esfolasse”.
publicado no Expresso de 23 de Novembro
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