Uma espécie de vacina
Se fosse necessário
identificar os principais problemas das políticas públicas portuguesas em perto
de quatro décadas de democracia, tenderia a escolher a instabilidade e a falta
de negociação. Mudam os Governos ou, pior, mudam os ministros dentro do mesmo
Governo e logo se reiniciam “reformas” profundas. Não há ministro que não
queira deixar impresso, se nada mais, num par de diplomas no Diário da
República o seu reformismo imparável. Do mesmo modo, os resultados da
negociação, em lugar de serem vistos como uma forma de aumentar a eficiência
das políticas, são sempre lidos como a capitulação de uns e a vitória de
outros. A volatilidade e o antagonismo militante entre partidos e entre parceiros
sociais têm uma quota-parte importante da responsabilidade no caminho que nos
trouxe até aqui. E se o clima estiver a mudar?
Lembrei-me disto ao escutar
um excelente debate promovido pela TSF, em torno da reforma do Estado, centrado
na segurança social. Ao longo de duas horas, três ex-ministros da área, de
partidos diferentes, Silva Peneda (PSD), Bagão Félix (CDS) e Vieira da Silva
(PS), não só tiveram uma conversa produtiva e informada, como não se cansaram
de concordar em diversos aspectos, preservando perspectivas politicamente
distintas: da valorização do histórico de reformas no sistema de pensões à
identificação dos principais dificuldades que a sustentabilidade financeira
encontra, passando por aquilo que devem ser os objectivos primordiais do nosso
Estado social. Ficou claro que aquilo que os aproximava podia permitir a
estabilidade e a consensualização que tem faltado às nossas políticas públicas.
No entanto, o facto mais relevante
deste debate não foi a proximidade das perspectivas de Silva Peneda, Bagão
Félix e Vieira da Silva, mas a distância entre as suas posições face às da
dupla revolucionária Passos Coelho/Vítor Gaspar. De um lado, diferenças, mas
moderação e realismo; do outro, radicalismo e afastamento progressivo da
realidade. É por isso que talvez este ano e meio de Governo possa funcionar
como uma espécie de vacina, curando o país de muitos dos males de que sempre
padeceu. Depois de termos experimentado o “capitalismo científico”, estaremos
em condições de criar uma plataforma política mais ampla – que vá de Bagão
Félix a Vieira da Silva, mas que terá de excluir naturalmente Gaspar e Passos
Coelho. Talvez então possamos negociar soluções e garantir a sua estabilidade.
Neste sentido, há um
conjunto de desafios políticos para resolver nos próximos tempos: à cabeça, renegociar
o memorando e reestruturar a dívida. Como sublinhou esta semana Ferro
Rodrigues, estes objectivos precisam de um consenso
político “muitíssimo mais alargado do que o tradicional quadro da alternância”.
Em Outubro, passadas as eleições alemãs e estabilizada a situação europeia, é
disso que estaremos a falar. Até lá, é preciso escolher os protagonistas que se
vão sentar à mesa de negociações para defender os interesses portugueses. Parece-me
que a dupla Passos/Gaspar não terá condições para participar nesta negociação.
publicado no Expresso de 19 de Janeiro
<< Home