Regressar à casa de partida
No início
de 2011, o Governo procurava uma solução que garantisse o financiamento do
Estado sem pedido de resgate. O PEC IV era isso mesmo: Portugal ia aos
mercados, mas fazia-o de modo assistido, e como contrapartida aplicava um
conjunto de medidas de austeridade. A solução era menos má do que o que veio a
seguir. Com a assinatura do memorando de entendimento, a capacidade negocial
portuguesa ficou muito fragilizada e passámos a ser governados por soluções
impostas desde fora, devidamente apoiadas por quem em Portugal com elas sempre sonhou.
Olhando
retrospectivamente, o PEC IV não era politicamente sustentável. Teria
funcionado como balão de oxigénio para Sócrates, mas pouco mais. Sem condições
para continuar a governar em minoria e com a Europa como constrangimento
negativo, acabaríamos por ser resgatados. Dois anos passados, não deixa de ser
paradoxal que regressemos aos mercados em condições próximas das do PEC IV, mas
numa situação económica e social bem mais degradada.
Há
contudo uma diferença significativa. O financiamento assistido do PEC IV era um
exclusivo português; hoje, todos os países em dificuldade estão, de facto, a
ser financiados num registo semelhante. Até aqui, era-nos dito que se os países
encetassem reformas estruturais e os Governos aplicassem sem piedade medidas de
austeridade expansionista, os mercados retribuiriam o esforço, voltando a
financiar a dívida soberana. Como sabemos, nem as agências de rating, nem os
mercados confiaram. Bem pelo contrário.
O que
aconteceu é que, em lugar de serem os mercados a acreditarem na estratégia
seguida, foram os próprios proponentes a fazê-lo, preenchendo as lacunas institucionais
que existiam. E se tal aconteceu é por o caminho seguido até aqui ter falhado e
não por ter sido um sucesso. Se, por absurdo, se acredita que este regresso aos
mercados é resultado das políticas de austeridade, então é porque se continua a
não compreender a natureza da crise da dívida soberana.
Alguma
coisa mudou na Europa e, ainda que de forma oficiosa, o papel do BCE alterou-se,
empurrado pela degradação da situação de Espanha e Itália. Com um inaceitável
legado de destruição económica e de barbárie social (é disso que falamos quando
se assiste à destruição em massa de postos de trabalho), a Europa criou as
condições de viabilidade financeira de curto prazo para a sua própria
estratégia.
Regressámos
à casa de partida, mas acompanhados por uma enorme alteração nos equilíbrios de
poder, que tem um efeito positivo na capacidade de financiamento dos países.
Antes, a condicionalidade era negociada com a Troika (FMI, Comissão e BCE), no
futuro passará a depender, cada vez mais, do BCE. Um novo monarca absoluto na
política europeia, que centraliza as decisões e imporá condições, passando a
deter o monopólio da violência económica e social. Que a estrutura de poder se
altere de forma tão profunda e ninguém cuide de garantir níveis mínimos de
legitimidade é elucidativo do desvario político que impera na Europa.
publicado no Expresso de 26 de Janeiro
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