Não acreditem em tudo o que vos dizem
Pode uma falsidade política
ser repetida vezes sem conta, ser desmontada, para depois voltar a ser
enunciada como se nada se tivesse passado? Em Portugal a resposta é sim. Podemos
ter um debate racional sobre as reformas que temos de fazer se nem sequer somos
capazes de respeitar a realidade e avaliar com rigor o impacto de mudanças nas
políticas públicas? A resposta é não.
Podia escolher muitas outras
citações, mas repare-se nesta declaração do líder da bancada do PSD esta semana
no Parlamento: “este Governo atualiza, novamente em 2014, o valor das pensões
mínimas que o anterior Governo congelou”. Tenho dificuldade em encontrar outro
exemplo tão evidente de como uma ladainha demagógica pode dar cabo de um debate
sério que devíamos ter, no caso sobre pensões mínimas.
Desde logo porque falar de
aumentos de pensões mínimas desde que existe o complemento solidário para
idosos é socialmente injusto. Não apenas porque se está, de facto, a distribuir
recursos sem critério, beneficiando pensionistas que, apesar de receberem
pensões mínimas não contributivas, podem bem não estar em situação de carência,
mas acima de tudo porque a opção não é eficaz do ponto de vista do combate à
pobreza entre os idosos.
O que o Governo tem feito é,
em nome da retórica política, seguir uma linha contraproducente: congela o Indexante de Apoios Sociais, volta a restringir o acesso a
prestações de pobreza com condições de recurso exigentes, enquanto aumenta em
dois ou três euros/mês as pensões mínimas para aqueles que descontaram menos de
15 anos. Gasta recursos sem eficácia apenas para poder reproduzir uma
lengalenga a que se amarrou.
Bem sei que, entre
nós, a cultura de avaliação das políticas é escassa mas, tendo em conta o atual
contexto de emergência, talvez não fosse má ideia, por uma vez, estarmos
atentos aos factos e reformarmos as políticas com base em informação. A este
propósito, vale a pena olhar para o relatório da OCDE, “Pensions at a Glance”
de 2013, conhecido esta semana.
Destacaria dois aspectos
que mostram que não devemos acreditar em tudo o que nos dizem por mais vezes
que seja repetido.
Entre 2007 e 2010, primeiros
anos da crise financeira, a pobreza entre os idosos diminuiu em Portugal mais
do dobro da média da OCDE (-5,3 p.p). Estes dados mostram que é preferível ter
uma estratégia de diferenciação nos aumentos dos rendimentos dos idosos de
pensões baixas (o que era feito com a aposta no complemento solidário para
idosos) em lugar de promover aumentos marginais e indiferenciados para todos (o
que é agora defendido, contra toda a evidência).
Apesar da idade legal
de reforma ser de 65 anos, a idade efetiva de saída do mercado de trabalho é de
68,4 anos para os homens e 66,4 para as mulheres, bem superior à média da OCDE e,
pasme-se, acima dos 62 anos da Alemanha.
É claro que é necessário
continuar a reformar o nosso sistema de segurança social mas, para início de
conversa, não era má ideia que nos entendêssemos sobre a realidade dos factos. Será
pedir muito?
publicado no Expresso de 30 de Novembro
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