Vamos ficar mais fracos
Vamos ficar mais fracos
Com a ligeireza que caracteriza as suas intervenções, Miguel
Relvas afirmou, esta semana, que iria sair mais forte do caso que o envolve.
Veremos. Para já, uma coisa é certa, estamos a ficar colectivamente mais
fracos. Relvas pode bem sair reforçado do microciclo político em que opera e
que funciona como medida do seu sucesso, mas as instituições da República, o
Governo e os media vão ficar mais fracos depois da sucessão de episódios que
fomos conhecendo desde o verão passado.
Para lá da degradação política e institucional, há uma
revelação particularmente violenta que nos chega com este caso. Temos hoje a
certeza que a vida privada dos protagonistas do espaço público, em lugar de ser
uma esfera absolutamente inviolável, não só é escrutinada ilegalmente e sem
fiscalização efectiva, como circula alegremente em relatórios, numa
transumância criminosa de segredos de Estado que não pode ficar impune. Esta
violação gratuita do que é uma esfera fundamental das nossas liberdades, se
nada mais, faz-nos perder o pouco que restava da nossa inocência colectiva e
demonstra até onde pode chegar a dissolução da vida em conjunto.
Ficamos também a saber, se dúvidas tivéssemos, que em
Portugal a promiscuidade entre serviço público e interesses empresariais
privados não conhece limites. O Estado, em lugar de estar ao serviço do bem
comum, é utilizado de forma selectiva por grupos económicos, que se servem dos
recursos públicos com a mesma facilidade com que os descartam. A migração de
informações das secretas para grupos empresariais é apenas uma versão extrema
do sem número de episódios a que assistimos de captura do interesse público por
interesses privados – que, depois, nunca hesitam em deslegitimar o papel do
Estado.
Mas este longo processo ensina-nos também qualquer coisa
sobre os mecanismos de formação de poder em Portugal e de como, mesmo os mais
ambiciosos dos políticos, revelam uma estranha imprudência ao longo da
caminhada que vão percorrendo até um dia nos governarem. A teia de
cumplicidades e de interesses cruzados entre empresas, media e informações
tornou-se agora mais transparente. Miguel Relvas é um paradigma duma lógica
que, não escolhendo partidos, encontra sempre no PSD um terreno particularmente
fértil. É natural que quem se alça ao poder deste modo nunca consiga perceber
que um ministro não pode fazer graçolas a propósito dos serviços de informações
e, acima de tudo, não lhe é permitido gerir um assunto de Estado como se se
tratasse de eleições para uma qualquer concelhia do seu partido. Mudam os
governos mas o problema mantém-se: quem faz carreira a contar versões distintas
da mesma história consoante o momento e o interlocutor fará o mesmo perante uma
comissão parlamentar, independentemente do tema em questão.
Miguel Relvas afirmou que iria sair mais forte deste
processo e eu escrevi que estávamos a ficar colectivamente mais fracos. Peço
desculpa. Na verdade, já estamos mais fracos.
publicado no Expresso de 2 de Junho
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