Felizmente não sou economista
Com o sentido de oportunidade que tem caracterizado a sua actuação à frente do Banco Central Europeu, este fim-de-semana, Jean-Claude Trichet apelou aos países da zona euro para que reduzam o seu défice o mais tardar em 2011 e alguns já em 2010.
O objectivo tem tanto de irrealista como de politicamente errado. Desde logo porque ninguém sabe com exactidão o que nos espera no sector financeiro e na economia. Por um lado, a probabilidade de existirem muitos Dubais ao virar da esquina é grande, ao mesmo tempo que a retoma é no mínimo incerta; por outro, o mercado de trabalho continuará muito deprimido: com o desemprego na zona-Euro em redor dos 10%, a pressão sobre as contas públicas será enorme, quer pela necessidade de manter o pacote de estímulos que impediu que tivéssemos caído numa "grande depressão", quer pelo agravamento das despesas com protecção social. Num contexto de profunda incerteza, falar de regresso à consolidação orçamental em 2010 na zona Euro não resolveria nenhum problema, apenas agravaria muitos dos que continuamos a enfrentar.
Mas o argumento tem feito o seu caminho. O artigo de Trichet é, apenas, o corolário duma tendência que culpa as medidas públicas pelas dificuldades de recuperação económica. Mas, como perguntava Robert Skidelsky num artigo publicado no Financial Times e apropriadamente titulado, "Why market sentiment has no credibility", qual a razão para uma crítica tão feroz aos tímidos anúncios de aumento da despesa pública para compensar a quebra da procura privada?
Para Skidelsky a resposta é clara: os governos têm de cortar na despesa porque é isso que esperam os mercados. Ou seja, os mesmos mercados que desestabilizaram o sistema financeiro a um ponto tal que este teve de ser salvo pelos contribuintes, exigem agora um esforço de consolidação como preço a pagar pelo seu apoio a governos cujas dificuldades ajudaram a causar.
Mas eu, que felizmente não sou economista, perante a crise e as suas sequelas, só me ocorre que existe um conjunto de questões políticas sobre o papel do BCE que tem de ser respondido. As declarações de Trichet só as tornam mais claras. Como sublinhava João Ferreira do Amaral num artigo na Ops: será desejável manter os níveis de independência política de que goza o BCE? Não deveria a política monetária ter como objectivos, em pé de igualdade com a estabilidade de preços, o combate ao desemprego, o crescimento económico e a taxa de câmbio do euro? Não poderiam ser admitidos mecanismos excepcionais para reduzir o défice da balança externa de alguns Estados- membros? Nesta fase, talvez fosse mais oportuno ouvir Trichet sobre estas questões do que escutar apelos contraproducentes e irrealistas à consolidação orçamental em 2010.
publicado no Diário Económico.
O objectivo tem tanto de irrealista como de politicamente errado. Desde logo porque ninguém sabe com exactidão o que nos espera no sector financeiro e na economia. Por um lado, a probabilidade de existirem muitos Dubais ao virar da esquina é grande, ao mesmo tempo que a retoma é no mínimo incerta; por outro, o mercado de trabalho continuará muito deprimido: com o desemprego na zona-Euro em redor dos 10%, a pressão sobre as contas públicas será enorme, quer pela necessidade de manter o pacote de estímulos que impediu que tivéssemos caído numa "grande depressão", quer pelo agravamento das despesas com protecção social. Num contexto de profunda incerteza, falar de regresso à consolidação orçamental em 2010 na zona Euro não resolveria nenhum problema, apenas agravaria muitos dos que continuamos a enfrentar.
Mas o argumento tem feito o seu caminho. O artigo de Trichet é, apenas, o corolário duma tendência que culpa as medidas públicas pelas dificuldades de recuperação económica. Mas, como perguntava Robert Skidelsky num artigo publicado no Financial Times e apropriadamente titulado, "Why market sentiment has no credibility", qual a razão para uma crítica tão feroz aos tímidos anúncios de aumento da despesa pública para compensar a quebra da procura privada?
Para Skidelsky a resposta é clara: os governos têm de cortar na despesa porque é isso que esperam os mercados. Ou seja, os mesmos mercados que desestabilizaram o sistema financeiro a um ponto tal que este teve de ser salvo pelos contribuintes, exigem agora um esforço de consolidação como preço a pagar pelo seu apoio a governos cujas dificuldades ajudaram a causar.
Mas eu, que felizmente não sou economista, perante a crise e as suas sequelas, só me ocorre que existe um conjunto de questões políticas sobre o papel do BCE que tem de ser respondido. As declarações de Trichet só as tornam mais claras. Como sublinhava João Ferreira do Amaral num artigo na Ops: será desejável manter os níveis de independência política de que goza o BCE? Não deveria a política monetária ter como objectivos, em pé de igualdade com a estabilidade de preços, o combate ao desemprego, o crescimento económico e a taxa de câmbio do euro? Não poderiam ser admitidos mecanismos excepcionais para reduzir o défice da balança externa de alguns Estados- membros? Nesta fase, talvez fosse mais oportuno ouvir Trichet sobre estas questões do que escutar apelos contraproducentes e irrealistas à consolidação orçamental em 2010.
publicado no Diário Económico.
<< Home