Duvido, logo corrupto
A crer na fúria legisladora do Parlamento, dentro de dois anos, a corrupção estará erradicada da face do país e, não tardará, as avançadas democracias escandinavas estarão a emular as boas práticas domésticas.
Nada que surpreenda. Perante um problema político sério - e a corrupção é-o - tendemos a optar pela solução preguiçosa: tipificam-se mais crimes, criam-se uns quantos observatórios e daqui a não muito tempo levantar-se-á um clamor colectivo protestando contra a ineficácia das leis entretanto aprovadas. Depois, já se sabe, a história repetir-se-á, com nova fúria legisladora.
O problema do combate à corrupção é que as respostas mais eficazes não só não produzem resultados no imediato como têm escassa visibilidade pública. É isto que cria o contexto para que seja possível explorar politicamente uma alegada inacção dos poderes públicos, que de facto não existe. Não por acaso, o combate à corrupção tornou-se num terreno fértil para a demagogia. Hoje, quem tenha dúvidas sobre a eficácia do caminho que está a ser seguido passa logo por corrupto no activo ou, pelo menos, em potência.
Como sublinhava Guilherme de Oliveira Martins, num artigo no Público, a propósito do tema: "as afirmações demagógicas e imediatistas apenas contribuem para o desenvolvimento da desesperança e do fatalismo (...). Mais importante do que a multiplicação de leis, precisamos de instrumentos eficazes, de medidas e de vontade".
E enquanto os deputados parecem ter descoberto no crime de ‘enriquecimento ilícito' e na inversão do ónus da prova que lhe está, diga-se o se disser, associada a maleita para todos os males, as respostas mais eficazes passam para segundo plano.
Se queremos de facto combater a corrupção, precisamos de intervir nas zonas cinzentas que persistem na formação das decisões na administração e nas empresas públicas. Isso faz-se, a título de exemplo, com mais transparência e informação (por exemplo publicitando de facto as adjudicações e os contratos públicos - veja-se o que acontece nos EUA, em que o destino dos recursos do pacote de estímulos anti-crise está descrito de forma detalhada na net); melhorando a organização do Estado (com um mais adequado sistema de controlo interno, através de códigos de conduta claros, mas, também, como aliás já acontece entre nós, com a responsabilização penal das pessoas colectivas); e com mais poderes de controlo para entidades reguladoras independentes (do Tribunal de Contas aos vários reguladores).
Ainda que com as limitações que são típicas das políticas e dos poderes públicos em Portugal, os passos que têm sido dados nos últimos anos vão neste sentido. O problema é que é muito mais difícil consolidá-los silenciosamente do que cavalgar a fúria mediática, que tem tanto de populista como de ineficaz.
publicado no Diário Económico.
Nada que surpreenda. Perante um problema político sério - e a corrupção é-o - tendemos a optar pela solução preguiçosa: tipificam-se mais crimes, criam-se uns quantos observatórios e daqui a não muito tempo levantar-se-á um clamor colectivo protestando contra a ineficácia das leis entretanto aprovadas. Depois, já se sabe, a história repetir-se-á, com nova fúria legisladora.
O problema do combate à corrupção é que as respostas mais eficazes não só não produzem resultados no imediato como têm escassa visibilidade pública. É isto que cria o contexto para que seja possível explorar politicamente uma alegada inacção dos poderes públicos, que de facto não existe. Não por acaso, o combate à corrupção tornou-se num terreno fértil para a demagogia. Hoje, quem tenha dúvidas sobre a eficácia do caminho que está a ser seguido passa logo por corrupto no activo ou, pelo menos, em potência.
Como sublinhava Guilherme de Oliveira Martins, num artigo no Público, a propósito do tema: "as afirmações demagógicas e imediatistas apenas contribuem para o desenvolvimento da desesperança e do fatalismo (...). Mais importante do que a multiplicação de leis, precisamos de instrumentos eficazes, de medidas e de vontade".
E enquanto os deputados parecem ter descoberto no crime de ‘enriquecimento ilícito' e na inversão do ónus da prova que lhe está, diga-se o se disser, associada a maleita para todos os males, as respostas mais eficazes passam para segundo plano.
Se queremos de facto combater a corrupção, precisamos de intervir nas zonas cinzentas que persistem na formação das decisões na administração e nas empresas públicas. Isso faz-se, a título de exemplo, com mais transparência e informação (por exemplo publicitando de facto as adjudicações e os contratos públicos - veja-se o que acontece nos EUA, em que o destino dos recursos do pacote de estímulos anti-crise está descrito de forma detalhada na net); melhorando a organização do Estado (com um mais adequado sistema de controlo interno, através de códigos de conduta claros, mas, também, como aliás já acontece entre nós, com a responsabilização penal das pessoas colectivas); e com mais poderes de controlo para entidades reguladoras independentes (do Tribunal de Contas aos vários reguladores).
Ainda que com as limitações que são típicas das políticas e dos poderes públicos em Portugal, os passos que têm sido dados nos últimos anos vão neste sentido. O problema é que é muito mais difícil consolidá-los silenciosamente do que cavalgar a fúria mediática, que tem tanto de populista como de ineficaz.
publicado no Diário Económico.
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