Sinais de mudança?
Os resultados das
autárquicas são claros: os partidos do Governo tiveram uma derrota colossal,
com perdas de votos brutais. Comparado com as autárquicas anteriores, PSD e CDS
juntos caíram 644 mil votos (uma variação de -28%); se a comparação for feita com
as legislativas de há dois anos, o cenário é ainda mais negativo (tiveram menos
1 milhão e 146 mil votos, o que representa uma variação de -41%). Olhando para
estes números, os sinais de que estamos perante uma penalização eleitoral do
Governo são evidentes; contudo, não é claro que a esta penalização correspondam
ganhos diretos da oposição.
Há indícios de que o
eleitorado está a querer romper com a trajetória de alternância que tem
caracterizado a democracia portuguesa desde a transição para a democracia e, em
particular, desde a adesão europeia. Um pouco à imagem do que está a acontecer
um pouco por toda a Europa do sul, se há sinal de mudança estrutural nestas
autárquicas é o de um lento declínio do bipartidarismo.
Ao longo da campanha foi
salientado o crescimento muito significativo dos candidatos independentes.
Dissidentes ou não de partidos pouco importa, serviram de porto de abrigo para
muito descontentamento face aos aparelhos partidários. Nestas eleições, conquistaram em conjunto 344 mil votos (mais
120 mil do que há 4 anos). Sintomaticamente, a CDU – uma formação política que
se encontra na posição singular de ser, ao mesmo tempo, institucional e
anti-sistémica – foi a única a crescer em número de votos. No entanto, o
elemento de maior surpresa talvez seja mesmo a variação dos votos nulos e
brancos: num contexto em que a abstenção sobe, estes passaram de 3% para 7% dos
votos expressos. Estamos perante um indicador de descontentamento
mobilizado.
É um facto que os resultados
do PS são impressivos. Conquistou 243 mil votos face às últimas legislativas e
tem um número de presidências de câmara sem paralelo. Contudo, perde 274 mil
votos comparado com as autárquicas de 2009 e revela dificuldades de crescimento
nos grandes centros urbanos (com exceção de Lisboa). Esse não é, no entanto, o
sinal mais forte de que alguma coisa está a mudar. Convém ter presente que, à
primeira oportunidade, os fatores que devastaram PSD e CDS ressurgirão para
fazer o mesmo ao PS.
Este quadro eleitoral devia
fazer soar todas as campainhas de alerta. Mas aparentemente é como se nada se
passasse. Com doses sempre redobradas de austeridade, com a percepção (errada)
de que a corrupção é um fenómeno crescente e que explica a atual crise, com o
aparelhismo a tomar conta dos partidos, o terreno está fértil para o surgimento
de algo novo e que não será necessariamente bom. Aliás, se olharmos para os
nossos vizinhos da Europa do sul só temos boas razões para nos assustarmos com
as novas formações partidárias. Para piorar as coisas, imaginem só como todo
este contexto se agudizará quando o PS não tiver alternativa (porque não terá
mesmo) a comprometer-se com um novo resgate ou, se preferirem eufemismos, com
um programa cautelar. Estaremos cá todos para ver a onda de mudança. Não vai ser
bonito.
publicado no Expresso de 5 de Outubro