Hoje a Grécia, amanhã Portugal
“Depois de tomarmos decisões substantivas em relação à Grécia”. A frase do ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schauble, nos longos 53 segundos que durou a conversa com Vítor Gaspar, passou despercebida, mas é o mais enigmático e preocupante momento do diálogo segredado. O que fica sugerido é que estamos a assistir a uma alteração profunda na posição em relação à Grécia. Se até há pouco tempo, a saída da Grécia do euro era “impensável”, entretanto passou a caber aos gregos decidir se queriam ou não permanecer na união monetária.
A actual posição alemã é bem mais coerente com a narrativa que se vislumbra na gestão da crise tal como defendida por Schauble. Não faz sentido continuar a emprestar dinheiro à Grécia, na medida em que o governo grego não revela particular empenho na aplicação do plano de resgate desenhado pela troika. A ideia é apelativa: o risco grego deve-se a uma atitude errada do governo e nada tem a ver com um programa incumprível, assente em exigências que, em lugar de responderem ao problema que procuram enfrentar (o endividamento), apenas o agravam, fazendo colapsar a economia. Os gregos têm a atitude errada, dizem-nos os alemães, na mesma medida que Portugal é, para o nosso primeiro-ministro, um país com o vício da preguiça.
Se nada mais houvesse, esta moralização da crise da zona euro tem um efeito: oferece-nos com facilidade bodes expiatórios – políticos irresponsáveis que se deixaram capturar por reivindicações de interesses e que foram arrastados para o despesismo – enquanto oculta o lado mais complexo da crise – um arranjo institucional da zona euro que criou incentivos perversos, ao mesmo tempo que inviabilizou o crescimento económico de alguns estados membros. O problema é que com este discurso, popular no curto prazo, os políticos estão apenas a comprar tempo (aliás, muito pouco tempo) até serem varridos – com a mesma intensidade dos seus antecessores nos governos europeus.
A última versão da nacionalização da crise da zona euro aponta uma nova saída. Perante a incapacidade do governo grego em estrangular a sua própria economia, sociedade e país, a única solução que resta é avançar para o que até há semanas era impensável: isolar a Grécia, deixando-a caminhar para a bancarrota. Para os mesmos optimistas que acreditam no pensamento mágico, de algum modo seria possível traçar uma fronteira entre a Grécia e os restantes países, à cabeça o próximo na linha de abate – Portugal. No fundo, a Grécia funcionaria como o Lehman Brothers e Portugal seria a AIG. Como sabemos, mesmo resgatada a AIG, não foi possível estancar o efeito de contágio do Lehman Brothers. Agora imaginemos o que será um default de um país dentro de uma zona monetária única. Um assustador salto no vazio que nada terá de ordenado.
Bem sei que falar em solidariedade europeia é pedir demasiado aos políticos míopes que nos lideram, mas, ao menos, era de esperar que se movessem pelo interesse próprio. A Grécia de hoje seremos nós amanhã. Depois, é uma questão de ordenar os restantes países europeus.
publicado no Expresso de 18 de Fevereiro.
A actual posição alemã é bem mais coerente com a narrativa que se vislumbra na gestão da crise tal como defendida por Schauble. Não faz sentido continuar a emprestar dinheiro à Grécia, na medida em que o governo grego não revela particular empenho na aplicação do plano de resgate desenhado pela troika. A ideia é apelativa: o risco grego deve-se a uma atitude errada do governo e nada tem a ver com um programa incumprível, assente em exigências que, em lugar de responderem ao problema que procuram enfrentar (o endividamento), apenas o agravam, fazendo colapsar a economia. Os gregos têm a atitude errada, dizem-nos os alemães, na mesma medida que Portugal é, para o nosso primeiro-ministro, um país com o vício da preguiça.
Se nada mais houvesse, esta moralização da crise da zona euro tem um efeito: oferece-nos com facilidade bodes expiatórios – políticos irresponsáveis que se deixaram capturar por reivindicações de interesses e que foram arrastados para o despesismo – enquanto oculta o lado mais complexo da crise – um arranjo institucional da zona euro que criou incentivos perversos, ao mesmo tempo que inviabilizou o crescimento económico de alguns estados membros. O problema é que com este discurso, popular no curto prazo, os políticos estão apenas a comprar tempo (aliás, muito pouco tempo) até serem varridos – com a mesma intensidade dos seus antecessores nos governos europeus.
A última versão da nacionalização da crise da zona euro aponta uma nova saída. Perante a incapacidade do governo grego em estrangular a sua própria economia, sociedade e país, a única solução que resta é avançar para o que até há semanas era impensável: isolar a Grécia, deixando-a caminhar para a bancarrota. Para os mesmos optimistas que acreditam no pensamento mágico, de algum modo seria possível traçar uma fronteira entre a Grécia e os restantes países, à cabeça o próximo na linha de abate – Portugal. No fundo, a Grécia funcionaria como o Lehman Brothers e Portugal seria a AIG. Como sabemos, mesmo resgatada a AIG, não foi possível estancar o efeito de contágio do Lehman Brothers. Agora imaginemos o que será um default de um país dentro de uma zona monetária única. Um assustador salto no vazio que nada terá de ordenado.
Bem sei que falar em solidariedade europeia é pedir demasiado aos políticos míopes que nos lideram, mas, ao menos, era de esperar que se movessem pelo interesse próprio. A Grécia de hoje seremos nós amanhã. Depois, é uma questão de ordenar os restantes países europeus.
publicado no Expresso de 18 de Fevereiro.