Um colossal embuste
Não há segundas oportunidades para causar uma boa primeira impressão, usa-se dizer. Dois meses passados, já é possível formar uma primeira impressão do novo Governo. Esta resulta não tanto do que fez, mas antes do que prometeu fazer e manifestamente não fez.
É verdade que temos um extenso histórico de governos que ganharam eleições prometendo uma coisa para no poder fazerem o contrário. Ainda assim, há uma diferença significativa entre violar compromissos de campanha e deitar fora toda a narrativa política que foi usada para vencer eleições. Este Governo já renunciou ao essencial do que prometeu durante mais de um ano.
Passos Coelho não se cansou de apresentar a sua fórmula mágica para resolver os desequilíbrios das contas públicas – a consolidação seria feita 2/3 do lado da despesa e 1/3 do lado da receita –, enquanto repetia que os cortes seriam indolores, pois não implicariam mais sacrifícios para os portugueses ao assentarem nas gorduras do Estado. Um módico de realismo bastava para concluir que a fórmula só por arte mágica era aplicável e que a superação dos nossos desequilíbrios teria necessariamente de ter consequências económicas e sociais.
Dois meses passados, só restam duas hipóteses para explicar a diferença entre o que Passos Coelho candidato disse e o que tem feito enquanto primeiro-ministro: ou estávamos perante um colossal embuste ou um problema sério de dissonância com a realidade. Convenhamos que não é fácil perceber qual das duas hipóteses é verdadeira. O governo tem dados sinais contraditórios.
A entrevista do Ministro das Finanças à TVI indicia que tudo o que nos foi sendo dito não era para ser levado a sério. Em vinte minutos, Vítor Gaspar, em alguns momentos com enorme candura, encarregou-se de renunciar a toda a narrativa política do PSD/CDS e não se cansou de sublinhar que os vários documentos de execução orçamental são “extraordinariamente exigentes do lado da receita e do lado da despesa”. Tendo em conta que foi o PECIV que provocou eleições, não deixa de ser irónico ver o Ministro das Finanças a defendê-lo como nem Sócrates, nem Teixeira dos Santos ousavam fazer. Pode dar-se o caso de, com benefício para a sanidade mental do próprio, Vítor Gaspar não ter acompanhado a política portuguesa no último par de anos, mas, de facto, expôs o colossal embuste em que assentou a vitória eleitoral de Passos Coelho.
Há, contudo, momentos em que somos levados a crer que o primeiro-ministro e a sua entourage mais próxima acreditavam no que anunciavam. O “murro no estômago” que se seguiu ao corte no rating ou a total incapacidade do Governo em posicionar-se sobre os desenvolvimentos políticos na Europa sugerem que há quem continue a crer que estávamos perante uma crise nacional e que a remoção de Sócrates e uma vontade indómita de atacar o propalado despesismo chegariam para sairmos do buraco em que nos encontramos.
Convenhamos que, entre estarmos face a um grupo de crédulos ou a alguém que renunciou à realidade para vencer eleições, é preferível que a segunda hipótese seja a verdadeira.
publicado no Expresso de 27 de Agosto
É verdade que temos um extenso histórico de governos que ganharam eleições prometendo uma coisa para no poder fazerem o contrário. Ainda assim, há uma diferença significativa entre violar compromissos de campanha e deitar fora toda a narrativa política que foi usada para vencer eleições. Este Governo já renunciou ao essencial do que prometeu durante mais de um ano.
Passos Coelho não se cansou de apresentar a sua fórmula mágica para resolver os desequilíbrios das contas públicas – a consolidação seria feita 2/3 do lado da despesa e 1/3 do lado da receita –, enquanto repetia que os cortes seriam indolores, pois não implicariam mais sacrifícios para os portugueses ao assentarem nas gorduras do Estado. Um módico de realismo bastava para concluir que a fórmula só por arte mágica era aplicável e que a superação dos nossos desequilíbrios teria necessariamente de ter consequências económicas e sociais.
Dois meses passados, só restam duas hipóteses para explicar a diferença entre o que Passos Coelho candidato disse e o que tem feito enquanto primeiro-ministro: ou estávamos perante um colossal embuste ou um problema sério de dissonância com a realidade. Convenhamos que não é fácil perceber qual das duas hipóteses é verdadeira. O governo tem dados sinais contraditórios.
A entrevista do Ministro das Finanças à TVI indicia que tudo o que nos foi sendo dito não era para ser levado a sério. Em vinte minutos, Vítor Gaspar, em alguns momentos com enorme candura, encarregou-se de renunciar a toda a narrativa política do PSD/CDS e não se cansou de sublinhar que os vários documentos de execução orçamental são “extraordinariamente exigentes do lado da receita e do lado da despesa”. Tendo em conta que foi o PECIV que provocou eleições, não deixa de ser irónico ver o Ministro das Finanças a defendê-lo como nem Sócrates, nem Teixeira dos Santos ousavam fazer. Pode dar-se o caso de, com benefício para a sanidade mental do próprio, Vítor Gaspar não ter acompanhado a política portuguesa no último par de anos, mas, de facto, expôs o colossal embuste em que assentou a vitória eleitoral de Passos Coelho.
Há, contudo, momentos em que somos levados a crer que o primeiro-ministro e a sua entourage mais próxima acreditavam no que anunciavam. O “murro no estômago” que se seguiu ao corte no rating ou a total incapacidade do Governo em posicionar-se sobre os desenvolvimentos políticos na Europa sugerem que há quem continue a crer que estávamos perante uma crise nacional e que a remoção de Sócrates e uma vontade indómita de atacar o propalado despesismo chegariam para sairmos do buraco em que nos encontramos.
Convenhamos que, entre estarmos face a um grupo de crédulos ou a alguém que renunciou à realidade para vencer eleições, é preferível que a segunda hipótese seja a verdadeira.
publicado no Expresso de 27 de Agosto