Mais um circo mediático
A ideia de uma comissão de inquérito para apurar o que se tem passado no BPN é no mínimo inusitada e só mesmo ultrapassada pela possibilidade de uma audição individual de Dias Loureiro no Parlamento. Aliás, a criação de mais esta comissão é bem o sintoma da crescente mediatização da justiça e do lugar frágil que os deputados e a Assembleia da República se atribuem a si próprios.
Desde logo porque, ainda que escudando-se na avaliação do papel do supervisor, percebe-se que há dois verdadeiros motivos por detrás da comissão de inquérito: discorrer sobre o processo que levou à nacionalização do BPN e investigar os eventuais actos ilícitos em torno da gestão do BPN.
Ora, quando a discussão se centrar sobre o primeiro tema, a comissão de inquérito entreter-se-á a replicar uma discussão tida há um par de semanas pelos deputados quando aprovaram a nacionalização do BPN e que já levou a uma prolongada e inócua ida do governador do Banco de Portugal ao Parlamento; já quando discutir os actos de gestão praticados no BPN, teremos uma evidente sobreposição entre a investigação judicial e a actividade parlamentar. O problema é que os deputados colocar-se-ão numa posição desigual e frágil quando comparada com a do Ministério Público.
Pensemos na prisão preventiva de Oliveira Costa. Como é norma em Portugal, o segredo de justiça faz com que pouco possamos saber sobre os motivos desta prisão preventiva, quanto mais sobre o que está em investigação, que factos e que responsabilidades foram apurados. Neste contexto, perante o desconhecimento público, e sem nenhuma prerrogativa que lhes conceda poderes especiais de investigação, o que resta aos deputados é colocar questões com base na informação jornalística assente em investigação própria dos media (invariavelmente escassa) ou em fugas de informação (invariavelmente contraproducentes para o apurar da verdade). Tudo bem revelador do papel que os deputados tranquilamente se atribuem: o de “perguntadores” a quem faltam elementos para questionar consequentemente.
Claro que é exagerado afirmar que os deputados não têm nenhum poder especial e que se limitarão a sobrepor uma comissão de inquérito a uma investigação judicial. Na verdade, a comissão de inquérito terá um poder: o de chamar a uma sala cheia de jornalistas alguns protagonistas. Teremos por isso um circo mediático que abre a porta a todos os populismos. Aliás, uma coisa é garantida: esta comissão de inquérito dará mais uma oportunidade para ouvir Paulo Portas indignar-se contra a supervisão em particular e Francisco Louçã contra os bancos em geral. Muito proveitoso, portanto, para o apurar da verdade, que, ainda com dificuldade, imagina-se seja o objectivo último.
Tudo isto serve para recordar que as comissões de inquérito formadas a quente, debaixo de uma pressão mediática à qual os partidos não só não conseguem resistir, como para a qual se empurram mutuamente, são pouco úteis, não têm nenhuma continuidade e muito menos qualquer tipo de consequência credível. Basta pensar no que se tem passado nas últimas comissões de inquérito, que depois de alguns fogachos mediáticos resultaram em conclusões inócuas, às quais ninguém ligou (alguém se recorda da recente comissão de inquérito ao caso BCP?). Tudo indica que esta não será excepção.
Nada disto quer dizer que em teoria as comissões de inquérito parlamentar não façam, em si, sentido. Fazem-no, mas não constituídas debaixo da pressão pública, sobrepondo-se a investigações judiciais e sem possibilidade de investigar ou conhecer o conteúdo da investigação em curso. Imaginemos que, por exemplo, depois de todo o alarido criado em torno da “Operação Furacão”, esta redunda em nada. Ora nesse caso faz todo o sentido criar uma comissão para investigar os motivos do fracasso da investigação judicial e apurar eventuais responsabilidades. Até porque, é sabido, as investigações às investigações não acontecem em Portugal, sendo que são fundamentais para o bom funcionamento do estado de direito.
Até ver, está apenas a ser criado mais um caso judicial em que a mediatização, ao mesmo tempo que cria o contexto adequado aos assassinatos de carácter e a julgamentos baseados nesse princípio proto-fascista que é o “sentimento generalizado da opinião pública”, poucos contributos dará para apurar a verdade. Mas também o que é que isso importa, quando há uma boa história para contar ou há um palco com holofotes para os diversos actores representarem os papéis predefinidos?
publicado no Diário Económico.
Desde logo porque, ainda que escudando-se na avaliação do papel do supervisor, percebe-se que há dois verdadeiros motivos por detrás da comissão de inquérito: discorrer sobre o processo que levou à nacionalização do BPN e investigar os eventuais actos ilícitos em torno da gestão do BPN.
Ora, quando a discussão se centrar sobre o primeiro tema, a comissão de inquérito entreter-se-á a replicar uma discussão tida há um par de semanas pelos deputados quando aprovaram a nacionalização do BPN e que já levou a uma prolongada e inócua ida do governador do Banco de Portugal ao Parlamento; já quando discutir os actos de gestão praticados no BPN, teremos uma evidente sobreposição entre a investigação judicial e a actividade parlamentar. O problema é que os deputados colocar-se-ão numa posição desigual e frágil quando comparada com a do Ministério Público.
Pensemos na prisão preventiva de Oliveira Costa. Como é norma em Portugal, o segredo de justiça faz com que pouco possamos saber sobre os motivos desta prisão preventiva, quanto mais sobre o que está em investigação, que factos e que responsabilidades foram apurados. Neste contexto, perante o desconhecimento público, e sem nenhuma prerrogativa que lhes conceda poderes especiais de investigação, o que resta aos deputados é colocar questões com base na informação jornalística assente em investigação própria dos media (invariavelmente escassa) ou em fugas de informação (invariavelmente contraproducentes para o apurar da verdade). Tudo bem revelador do papel que os deputados tranquilamente se atribuem: o de “perguntadores” a quem faltam elementos para questionar consequentemente.
Claro que é exagerado afirmar que os deputados não têm nenhum poder especial e que se limitarão a sobrepor uma comissão de inquérito a uma investigação judicial. Na verdade, a comissão de inquérito terá um poder: o de chamar a uma sala cheia de jornalistas alguns protagonistas. Teremos por isso um circo mediático que abre a porta a todos os populismos. Aliás, uma coisa é garantida: esta comissão de inquérito dará mais uma oportunidade para ouvir Paulo Portas indignar-se contra a supervisão em particular e Francisco Louçã contra os bancos em geral. Muito proveitoso, portanto, para o apurar da verdade, que, ainda com dificuldade, imagina-se seja o objectivo último.
Tudo isto serve para recordar que as comissões de inquérito formadas a quente, debaixo de uma pressão mediática à qual os partidos não só não conseguem resistir, como para a qual se empurram mutuamente, são pouco úteis, não têm nenhuma continuidade e muito menos qualquer tipo de consequência credível. Basta pensar no que se tem passado nas últimas comissões de inquérito, que depois de alguns fogachos mediáticos resultaram em conclusões inócuas, às quais ninguém ligou (alguém se recorda da recente comissão de inquérito ao caso BCP?). Tudo indica que esta não será excepção.
Nada disto quer dizer que em teoria as comissões de inquérito parlamentar não façam, em si, sentido. Fazem-no, mas não constituídas debaixo da pressão pública, sobrepondo-se a investigações judiciais e sem possibilidade de investigar ou conhecer o conteúdo da investigação em curso. Imaginemos que, por exemplo, depois de todo o alarido criado em torno da “Operação Furacão”, esta redunda em nada. Ora nesse caso faz todo o sentido criar uma comissão para investigar os motivos do fracasso da investigação judicial e apurar eventuais responsabilidades. Até porque, é sabido, as investigações às investigações não acontecem em Portugal, sendo que são fundamentais para o bom funcionamento do estado de direito.
Até ver, está apenas a ser criado mais um caso judicial em que a mediatização, ao mesmo tempo que cria o contexto adequado aos assassinatos de carácter e a julgamentos baseados nesse princípio proto-fascista que é o “sentimento generalizado da opinião pública”, poucos contributos dará para apurar a verdade. Mas também o que é que isso importa, quando há uma boa história para contar ou há um palco com holofotes para os diversos actores representarem os papéis predefinidos?
publicado no Diário Económico.