Investir ou não investir?
A indiferenciação paira como uma ameaça por cima dos dois principais partidos de poder. Frequentemente ouvimos dizer que o silêncio de Ferreira Leite é, em importante medida, resultado da sua concordância com o essencial da política governativa. Aliás, temia-se que com o intensificar da crise as diferenças se esbatessem ainda mais, retirando margem para a afirmação da diferença por parte do PSD. Este fim-de-semana, ficou claro que não tem necessariamente de ser assim.
Enquanto na entrevista DN/TSF, José Sócrates afirmava que a intensificação da crise internacional deu “mais razões para que todas as obras públicas de modernização infra-estrutural do nosso país se façam, porque não servirão apenas para melhorar a competitividade do país, mas servirão também para no curto prazo garantir que mais gente tem emprego e que mais empresas têm condições para se afirmar na economia”, Ferreira Leite voltou a insistir nos riscos do investimento público. Agora já não na fórmula, “não há dinheiro para nada”, mas numa versão revista em que só devem ser feitas obras públicas quando “não precisemos de ir buscar dinheiro a crédito”.
Dificilmente seria possível encontrar divergência maior sobre o papel das políticas públicas no actual contexto. De um lado, o primeiro-ministro a defender o papel do investimento em obras públicas como almofada para a crise; do outro, a líder da oposição a argumentar que perante o quadro de endividamento externo, o investimento público só agravará as fragilidades nacionais, “afundando o país”.
Convenhamos que, a serem levadas a sério, as afirmações de Ferreira Leite neste fim-de-semana só poderiam ter resultados desastrosos. Utilizar o recurso ao crédito como critério para aferir da bondade do investimento é, no mínimo, uma ideia peregrina. A consequência seria simples: as economias paravam. Aliás, este caminho já foi em parte tentado. Quando Ferreira Leite foi ministra das Finanças, a resposta à recessão foi a contracção do investimento público – o “discurso da tanga” –, o que intensificou o arrefecimento económico.
Mas aceitemos que Ferreira Leite terá tido mais uma frase infeliz e que o que queria dizer era que, no actual contexto, o investimento público deveria ser posto de lado, quer porque aumenta o endividamento, quer porque limita a capacidade dos privados em aceder ao crédito, limitando o investimento privado. Será assim?
Em teoria, sim, mas, na prática, não. Desde logo porque a consolidação das contas públicas tem diminuído brutalmente os níveis de investimento público – ou seja, partimos de uma posição baixa; depois porque as taxas de juro elevadas, combinadas com o aumento do risco, têm diminuído a disponibilidade dos bancos para conceder crédito aos privados – ou seja, é duvidoso que haja um risco de absorção pública do crédito disponível para a economia, porque o acesso dos privados ao crédito já está muito condicionado. Neste contexto, como lembrava João Pinto e Castro no Blogoexisto, “o Estado é a única entidade simultaneamente disponível para investir e capaz de obter crédito”. A este propósito, o próprio presidente do FMI, entidade insuspeita de simpatia face a défices e endividamentos externos elevados, veio recentemente defender o investimento público como forma de responder ao arrefecimento das economias.
No entanto, a ideia de que, agora que se aproxima uma recessão, o investimento público em infra-estruturas deve ser usado acriticamente, como se a capacidade de endividamento fosse quase infinita, também não é uma estratégia adequada. A situação de emergência torna o investimento em obras públicas prioritário mas implica responsabilidades acrescidas. Não sendo o critério “recurso ao crédito” aceitável, é, contudo, necessário que haja critérios e que estes sejam partilhados. Muito provavelmente precisamos de fazer deslizar os investimentos em grande obras, mais pesados financeiramente – cujo efeito sobre o emprego tende a ser mais dilatado no tempo – e fazer ainda mais investimento em pequenos projectos, com impacto mais imediato no mercado de trabalho e com menor impacto financeiro. E, acima de tudo, precisamos de análises custo benefício claras, que permitem seleccionar o investimento prioritário. É por isso que se Ferreira Leite não tem razão quando defende que se pare tudo, dá, contudo, um contributo importante ao pressionar o Governo para tornar claras as suas opções. No actual contexto, o investimento público tem mesmo de ser feito, mas o actual contexto obriga a que sejamos ainda mais exigentes no escrutínio público do investimento.
publicado no Diário Económico.
Enquanto na entrevista DN/TSF, José Sócrates afirmava que a intensificação da crise internacional deu “mais razões para que todas as obras públicas de modernização infra-estrutural do nosso país se façam, porque não servirão apenas para melhorar a competitividade do país, mas servirão também para no curto prazo garantir que mais gente tem emprego e que mais empresas têm condições para se afirmar na economia”, Ferreira Leite voltou a insistir nos riscos do investimento público. Agora já não na fórmula, “não há dinheiro para nada”, mas numa versão revista em que só devem ser feitas obras públicas quando “não precisemos de ir buscar dinheiro a crédito”.
Dificilmente seria possível encontrar divergência maior sobre o papel das políticas públicas no actual contexto. De um lado, o primeiro-ministro a defender o papel do investimento em obras públicas como almofada para a crise; do outro, a líder da oposição a argumentar que perante o quadro de endividamento externo, o investimento público só agravará as fragilidades nacionais, “afundando o país”.
Convenhamos que, a serem levadas a sério, as afirmações de Ferreira Leite neste fim-de-semana só poderiam ter resultados desastrosos. Utilizar o recurso ao crédito como critério para aferir da bondade do investimento é, no mínimo, uma ideia peregrina. A consequência seria simples: as economias paravam. Aliás, este caminho já foi em parte tentado. Quando Ferreira Leite foi ministra das Finanças, a resposta à recessão foi a contracção do investimento público – o “discurso da tanga” –, o que intensificou o arrefecimento económico.
Mas aceitemos que Ferreira Leite terá tido mais uma frase infeliz e que o que queria dizer era que, no actual contexto, o investimento público deveria ser posto de lado, quer porque aumenta o endividamento, quer porque limita a capacidade dos privados em aceder ao crédito, limitando o investimento privado. Será assim?
Em teoria, sim, mas, na prática, não. Desde logo porque a consolidação das contas públicas tem diminuído brutalmente os níveis de investimento público – ou seja, partimos de uma posição baixa; depois porque as taxas de juro elevadas, combinadas com o aumento do risco, têm diminuído a disponibilidade dos bancos para conceder crédito aos privados – ou seja, é duvidoso que haja um risco de absorção pública do crédito disponível para a economia, porque o acesso dos privados ao crédito já está muito condicionado. Neste contexto, como lembrava João Pinto e Castro no Blogoexisto, “o Estado é a única entidade simultaneamente disponível para investir e capaz de obter crédito”. A este propósito, o próprio presidente do FMI, entidade insuspeita de simpatia face a défices e endividamentos externos elevados, veio recentemente defender o investimento público como forma de responder ao arrefecimento das economias.
No entanto, a ideia de que, agora que se aproxima uma recessão, o investimento público em infra-estruturas deve ser usado acriticamente, como se a capacidade de endividamento fosse quase infinita, também não é uma estratégia adequada. A situação de emergência torna o investimento em obras públicas prioritário mas implica responsabilidades acrescidas. Não sendo o critério “recurso ao crédito” aceitável, é, contudo, necessário que haja critérios e que estes sejam partilhados. Muito provavelmente precisamos de fazer deslizar os investimentos em grande obras, mais pesados financeiramente – cujo efeito sobre o emprego tende a ser mais dilatado no tempo – e fazer ainda mais investimento em pequenos projectos, com impacto mais imediato no mercado de trabalho e com menor impacto financeiro. E, acima de tudo, precisamos de análises custo benefício claras, que permitem seleccionar o investimento prioritário. É por isso que se Ferreira Leite não tem razão quando defende que se pare tudo, dá, contudo, um contributo importante ao pressionar o Governo para tornar claras as suas opções. No actual contexto, o investimento público tem mesmo de ser feito, mas o actual contexto obriga a que sejamos ainda mais exigentes no escrutínio público do investimento.
publicado no Diário Económico.