Causas e consequências
É impressionante a unanimidade em torno da exclusividade da culpa de Santana Lopes na derrocada de Domingo passado. O desplante é tal que os mesmos que ficaram no conforto do silêncio em Junho, aquando do abandono de Durão Barroso, vêm agora juntar-se ao coro dos críticos do santanismo. Como se tudo o que aconteceu nos últimos meses não fosse então previsível e como se o governo não estivesse também já irremediavelmente marcado pelos anos anteriores.
Se olharmos para os resultados de Domingo, vemos que a soma dos votos do PSD e do CDS não anda longe nem do resultado das europeias, nem daquilo que era a percentagem de portugueses que dizia identificar-se com o governo – agora, mas, também, quando Durão Barroso era primeiro-ministro. O PP de Paulo Portas bem podia sonhar com 10%, mas, a menos que o PSD descesse para uns improváveis 25%, tal objectivo era impossível de alcançar. Por mais voltas que se desse, a soma dos dois partidos dificilmente superaria os 36%. É que o que esteve em jogo nestas eleições foi, é certo, a avaliação da prestação devastadora de Santana Lopes, mas o essencial do contexto político já existia antes.
Na verdade, com o discurso da tanga, com o apoio à intervenção no Iraque e com a desastrosa política financeira, económica e social, o governo PSD/PP já tinha uma sólida e indelével imagem junto dos portugueses. Imagem que deixou, ao longo de três anos, um lastro de desmobilização do eleitorado de centro direita e promoveu um corte radical com o eleitorado flutuante. O efeito combinado destes dois factores revelou-se naturalmente trágico para as ambições políticas do PSD e do PP. Santana Lopes, com as suas inenarráveis idiossincrasias, foi a machadada final num processo que se havia iniciado com Durão Barroso e Paulo Portas.
É por isso que se a direita, designadamente o PSD, quer perceber as causas da sua derrota, deve olhar não apenas para o consulado de Santana Lopes, mas com igual atenção para todo o período em que Durão Barroso foi primeiro-ministro. Se o fizer será possível, por exemplo, contrariar algumas das ideias feitas (e falsas) que se disseminaram – à cabeça das quais a de que o populismo foi introduzido com o seu último líder. Aliás, basta recordar a campanha eleitoral de 2002 para se perceber que o gérmen do populismo e da campanha negativa já estava presente com Durão Barroso.
Mas enquanto à direita é altura de reflectir sobre as causas do desaire, à esquerda importa ter em atenção as consequências da vitória.
A existência de uma clara e sólida maioria socialista, combinada com 22 deputados à esquerda do PS, cria um contexto que, garantindo as condições de governabilidade de que o país necessitava em absoluto, pode acarretar uma recomposição deste espaço político.
Numa altura em que a área do centro-direita está vazia, órfã de líder e, acima de tudo, de estratégia e caminho, a tentação do PS ocupar esse espaço é grande. Grande e perigosa. Em primeiro lugar, porque não é o seu espaço natural e, em política, o transformismo não recompensa, nem cria raízes com resultados eleitorais. E em segundo lugar, porque, com o passar do tempo, o PSD voltará a ocupar o lugar que lhe pertence.
Desse ponto de vista, o PS tem de resistir à tendência para agir por contraponto à oposição estridente do Bloco, e também do PCP, que procurarão empurrar o novo governo para o centro-direita. Aliás, a precipitação com que o Bloco veio colocar o referendo ao aborto em cima da mesa, como se fosse a primeira das prioridades políticas do país, é já disso sinal.
Num contexto repleto de dificuldades financeiras e de bloqueios sociais, garantir a sustentabilidade da actual maioria de centro-esquerda, e principalmente a sua capacidade reformista, implica uma gestão sensível do espaço político à sua esquerda. Responder ao radicalismo do Bloco e do PCP, movendo o PS excessivamente para o centro é uma estratégia que hoje se afigura fácil, mas que trará custos eleitorais sérios no médio-prazo. Convém, a este propósito, não esquecer a lição de 1999. Então, a vitória de Pirro de António Guterres deveu-se, em grande medida, a um descuidar das questões simbólicas para a esquerda, que teve como consequência uma inusitada e inesperada subida dos votos à esquerda do PS. Impedir que nas próximas eleições isso se repita, depende de opções que se tomam agora e não com as próximas eleições à vista. Como o passado nos lembra, não basta governar de facto à esquerda, há que também “parecer” que se governa.
publicado em A Capital
Se olharmos para os resultados de Domingo, vemos que a soma dos votos do PSD e do CDS não anda longe nem do resultado das europeias, nem daquilo que era a percentagem de portugueses que dizia identificar-se com o governo – agora, mas, também, quando Durão Barroso era primeiro-ministro. O PP de Paulo Portas bem podia sonhar com 10%, mas, a menos que o PSD descesse para uns improváveis 25%, tal objectivo era impossível de alcançar. Por mais voltas que se desse, a soma dos dois partidos dificilmente superaria os 36%. É que o que esteve em jogo nestas eleições foi, é certo, a avaliação da prestação devastadora de Santana Lopes, mas o essencial do contexto político já existia antes.
Na verdade, com o discurso da tanga, com o apoio à intervenção no Iraque e com a desastrosa política financeira, económica e social, o governo PSD/PP já tinha uma sólida e indelével imagem junto dos portugueses. Imagem que deixou, ao longo de três anos, um lastro de desmobilização do eleitorado de centro direita e promoveu um corte radical com o eleitorado flutuante. O efeito combinado destes dois factores revelou-se naturalmente trágico para as ambições políticas do PSD e do PP. Santana Lopes, com as suas inenarráveis idiossincrasias, foi a machadada final num processo que se havia iniciado com Durão Barroso e Paulo Portas.
É por isso que se a direita, designadamente o PSD, quer perceber as causas da sua derrota, deve olhar não apenas para o consulado de Santana Lopes, mas com igual atenção para todo o período em que Durão Barroso foi primeiro-ministro. Se o fizer será possível, por exemplo, contrariar algumas das ideias feitas (e falsas) que se disseminaram – à cabeça das quais a de que o populismo foi introduzido com o seu último líder. Aliás, basta recordar a campanha eleitoral de 2002 para se perceber que o gérmen do populismo e da campanha negativa já estava presente com Durão Barroso.
Mas enquanto à direita é altura de reflectir sobre as causas do desaire, à esquerda importa ter em atenção as consequências da vitória.
A existência de uma clara e sólida maioria socialista, combinada com 22 deputados à esquerda do PS, cria um contexto que, garantindo as condições de governabilidade de que o país necessitava em absoluto, pode acarretar uma recomposição deste espaço político.
Numa altura em que a área do centro-direita está vazia, órfã de líder e, acima de tudo, de estratégia e caminho, a tentação do PS ocupar esse espaço é grande. Grande e perigosa. Em primeiro lugar, porque não é o seu espaço natural e, em política, o transformismo não recompensa, nem cria raízes com resultados eleitorais. E em segundo lugar, porque, com o passar do tempo, o PSD voltará a ocupar o lugar que lhe pertence.
Desse ponto de vista, o PS tem de resistir à tendência para agir por contraponto à oposição estridente do Bloco, e também do PCP, que procurarão empurrar o novo governo para o centro-direita. Aliás, a precipitação com que o Bloco veio colocar o referendo ao aborto em cima da mesa, como se fosse a primeira das prioridades políticas do país, é já disso sinal.
Num contexto repleto de dificuldades financeiras e de bloqueios sociais, garantir a sustentabilidade da actual maioria de centro-esquerda, e principalmente a sua capacidade reformista, implica uma gestão sensível do espaço político à sua esquerda. Responder ao radicalismo do Bloco e do PCP, movendo o PS excessivamente para o centro é uma estratégia que hoje se afigura fácil, mas que trará custos eleitorais sérios no médio-prazo. Convém, a este propósito, não esquecer a lição de 1999. Então, a vitória de Pirro de António Guterres deveu-se, em grande medida, a um descuidar das questões simbólicas para a esquerda, que teve como consequência uma inusitada e inesperada subida dos votos à esquerda do PS. Impedir que nas próximas eleições isso se repita, depende de opções que se tomam agora e não com as próximas eleições à vista. Como o passado nos lembra, não basta governar de facto à esquerda, há que também “parecer” que se governa.
publicado em A Capital